Clarice Lispector pode transformar a vida
A autora. Temas universais e humanos Foto: Claudia Andujar
Simone Paulino parte de sua experiência de leitura para guiar o leitor pela obra de Clarice e pelos grandes temas da literatura e da vida
Como muitos outros brasileiros, a editora Simone Paulino conheceu a obra de Clarice Lispector na escola, num momento em que o mais ambicioso sonho para ela, menina pobre da periferia, órfã desde os cinco quando seu pai foi brutalmente assassinado na volta do trabalho, era ser professora de português. Leu A Hora da Estrela, mas não foi amor à primeira vista.
Deixou a ideia da sala de aula de lado, esqueceu aquela leitura e se tornou jornalista. Adulta, voltou à obra de Clarice com dedicação e empenho. Queria entender aqueles livros, o universo criado pela autora. Pensou em estudá-la no mestrado, mas um amigo a desencorajou dizendo que Clarice era muito difícil. Desistiu de ler sua obra racionalmente, mas voltou várias vezes aos romances e contos pelo puro prazer da leitura e pelo efeito que aquela obra tinha em sua vida.
É por isso que, quando leu Como Proust Pode Mudar a Sua Vida, de Alain de Botton, pensou logo em Clarice como o nome para estar numa versão brasileira do livro. Como Clarice Pode Mudar a Sua Vida acaba de chegar às livrarias brasileiras contradizendo a autora em sua última entrevista, à TV Cultura, em fevereiro de 1977: “Escrevo sem esperança de que o que escrevo altere alguma coisa. Não altera nada”.
“Altera, sim. Salva, sim. Mudou a minha vida”, comenta Simone. “Vivemos num mundo tão brutal e ela, ao mesmo tempo que mostra essa brutalidade, mostra uma delicadeza – o delicado essencial de que falava e que virou quase um lema de vida para mim”, completa.
Simone dividiu seu livro em 13 capítulos, numa referência aos 13 títulos de A Hora da Estrela. A partir de sua experiência de leitura, ela vai justificando o título de sua obra ao responder como: deixar a vida ser o que ela é, ser feliz, estar no mundo, ter compaixão, seguir a si mesmo, aproveitar o instante, transcender a realidade, cultivar o delicado essencial, aprender a amar, superar o medo, chegar a Deus, aceitar a morte e matar baratas.
O livro foi parar na seção de autoajuda das livrarias. “Mas todo livro é de autoajuda”, defende a autora que escolheu Clarice como o recorte, mas garante que a obra é, antes de tudo, um elogio e um agradecimento à literatura. “Ao longo dos anos, a literatura me permitiu reinventar minha história, apaziguar minha terrível sensação de abandono e criar um novo jeito de existir”, escreve na introdução. E, nesse sentido, Clarice também está aí para ajudar.
“Quando temos contato com uma autora que fala de coisas profundamente enraizadas em nós, que muitas vezes não sabemos nem nomear, e quando ela nomeia aquilo, ela nos ajuda a viver, compreender e existir dentro daquilo. A literatura é um conforto e a Clarice sempre me confortou”, conclui.
Marina Valente assina o projeto de ‘A Mulher que Matou os Peixes’
Clarice Lispector não achava que as histórias que escrevia a pedido do filho pequeno eram literatura, mas quando perguntaram se ela tinha algo para criança decidiu publicá-las mesmo assim. Ao longo dos últimos anos, a Rocco repaginou esses livros, lançando as edições em capa dura com novas ilustrações.
De 1968, A Mulher Que Matou os Peixes é o último desses volumes a ganhar nova forma. Uma curiosidade: as ilustrações ficaram sob responsabilidade de Marina Valente, que ainda não tinha nascido quando a avó publicou o livro pela Sabiá.
Marina escolheu a colagem e uma tipologia que remete à máquina de escrever de Clarice para ilustrar a história, de morte, vida e separação, sobre uma mãe que precisa contar aos filhos que deixou os peixinhos morrerem de fome.
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