Expandindo o debate sobre a Lei Cortez e o papel do livro
Terceiro dia do simpósio ‘Por uma lei da bibliodiversidade’ trouxe apresentações sobre a importância das livrarias para o setor e as outras dificuldades que o mercado editorial brasileiro enfrenta
Depois de três dias intensos de palestras e discussões, chegou ao fim na sexta (15), o simpósio Por uma Lei da Bibliodiversidade, realizado pelo Instituto de Estudos Avançados da USP.
Na primeira mesa do dia, Nuno Medeiros (ESTeSL-IPL-IHC e Univ. Nova de Lisboa) apresentou uma visão portuguesa sobre a lei. Em sua fala, ele frisou que a lei é “um instrumento fundamental para chegar mais perto dos objetivos do mercado” e refletiu sobre o valor simbólico do livro e sobre as as tensões e preocupações para garantir que a lei nos aproxime do conceito da bibliodiversidade. E sobre o tópico do convencimento do público, opinou: “Diria que uma possível via poderia ser, por exemplo, convencê-los da importância do livro e da leitura”.
Logo em seguida, o painel A economia do livro: o preço da leitura no Brasil contou com apresentações de Alexandre Martins Fontes (WMF Martins Fontes), Adalberto Ribeiro (Livraria Simples), Rui Campos (Livraria da Travessa) e Larissa Mundim (Nega Lilu Editora).
Os desafios das livrarias físicas brasileiras
Em sua apresentação, Alexandre lembrou que “os desafios e problemas enfrentados pelas livrarias físicas brasileiras, nunca foram tão graves e tão complexos”.
A crise política e econômica que se arrastam há quase uma década, a pandemia do novo coronavírus que obrigou as livrarias a fecharem as portas em diversas ocasiões, as mudanças dos hábitos de consumo trazidos pela internet, o aumento do número de feiras onde editoras oferecem descontos mínimos de 50% pro consumidor final, o surgimento de clubes de leitura, muitas vezes criados pelas próprias editoras e com inúmeras vantagens a seus associados e finalmente, a ausência de uma lei que iniba uma guerra predatória de descontos e uma concorrência cada vez mais desleal, foram alguns dos motivos citados por ele que levam à situação atual do mercado. E concluiu. “Mais do que nunca, precisamos valorizar as livrarias das nossas cidades. Sem livrarias não existem editoras, sem editoras não existem livros, sem livros não se faz um país”.
Já Adalberto, para explicar o seu ponto, leu um ensaio com o objetivo conversar com a sociedade de uma forma mais ampla e didática. Primeiro ele explicou como se dá a compra de obras pelas livrarias e como os descontos aplicados por grandes lojas on-line torna a concorrência desleal. Apresentou também dados da pesquisa Retratos da Leitura e quis mostrar o poder que uma livraria tem de contribuir na formação e na inclusão de novos leitores. “Ao contrario de uma livraria on-line, que por exemplo, poderia funcionar de portas fechadas no fundo de um quintal”, disse.
Usando o tema da campanha Tudo começa na livraria, Rui Campos focou em comentar o que foi discutido anteriormente e levantou alguns pontos importantes para se chegar no entendimento da lei. Frisou que toda essa luta é em torno de despertar o desejo pelo livro e que o lugar mágico onde se dá o encontro do leitor com o livro é justamente na livraria. Por fim, concluiu dizendo que um país que não tem uma lei para proteger o livro, está seriamente ameaçado.
Ainda sobre a Lei, Alexandre também alertou. “Não nos iludamos, a Lei lang, a Lei Cortez, no Brasil, não vai resolver todos os problemas e dificuldades enfrentados pelas livrarias brasileiras, mas ela é certamente, um passo na direção certa”.
Uma outra visão
A visão do mercado editorial a partir de uma editora independente foi o foco da fala de Larissa Mundim. Ela falou sobre os desafios de se fazer visível fora do eixo Rio-SP e sugeriu usar a oportunidade do simpósio para pensar numa mudança estrutural no mercado editorial. “Assumir novas posturas num processo de reconstrução do mercado editorial brasileiro, não seria um gesto de desespero diante de uma crise que nos acompanha há mais uma década, seria uma abertura pra uma cultura identificada, com uma cadeia produtiva mais integrada, e por consequência, de um mercado mais próximo da sociedade. E é justamente da sociedade que nós precisaremos para que essa lei avance nas discussões e siga na sua aprovação”, concluiu.
Expandindo o debate
Nas apresentações seguintes, Ana Elisa Ribeiro (DELTEC-CEFET-MG) falou sobre o livro como tecnologia e abordou a relação da leitura com as mídias sociais, citando como exemplo, o poder dos booktubers e influencers digitais nas vendas de livros.
Já João Varella, falou sobre a relevância do livro no mundo disperso. “Se antes comparávamos o preço de um livro com garrafas de cerveja, hoje se dá em meses de assinatura de streaming. Esse cortejo só tumultua ainda mais a percepção do valor do livro no Brasil”. A importância de um mercado do livro saudável e que reconheça o trabalho de todos, de se construir um catálogo de qualidade e ainda a importância dos autores como agentes estimuladores do sistema do livro também foram abordados por ele.
Por fim, Paulo Verano (ECA/USP e Casa Educação) começou sua fala com o questionamento: Como é para um editor independente de uma editora criada em plena era da desconstrução do Brasil, atuar no mercado editorial hoje? Para ele, não há outro jeito senão na marra. Para explicar seu ponto, ele voltou no tempo para entender como o mercado editorial chegou na situação que se encontra hoje. E mesmo com as mudanças pelas quais o mercado passou nos últimos anos, ele elencou ideias que ainda podem ajudar como, por exemplo, o surgimento de novas editoras plurais e das pequenas livrarias de rua, publicações cada vez mais diversas, uso inteligente das pequenas tiragens, a publicação sob demanda, crowfunding, o livro digital, audiolivro, os metadados e algoritmos.
Conclusão
Na última apresentação do dia, Marisa Midori Deaecto (ECA-USP), uma das organizadoras do evento, fechou o simpósio destacando os principais pontos abordados pelos participantes anteriores. Segundo ela, “todo Estado sério regula as regras do jogo” e concluiu. “Todos nós jogamos dentro de regras, então vamos estabelecer regras de acordo com as mudanças tecnológicas e as mudanças que o mundo nos propõe”.
Por fim, ainda deixou um alerta: “É preciso que essa lei não caia no fosso das letras mortas, ela precisa existir e precisa ser aplicada. Sanções precisam ser previstas para sua aplicabilidade e cada cidadão deve cuidar para que a lei não só exista, mas também funcione”.
Em breve, os links para os três dias do simpósio estarão disponíveis no canal do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA) no YouTube.
Fonte: PUBLISHNEWS, POR TALITA FACCHINI.