Idosos escrevem autobiografias para serem lembrados
Clayton Fernandes, 63, escreve livro de memórias no escritório de sua casa, em São Paulo
O fundo da gaveta superior de uma escrivaninha numa casa do Jabaquara, zona sul paulistana, esconde uma obra inédita. Está lá um livro, de 120 páginas, ainda sem título. “É a minha história. E as pessoas só vão ler depois que eu não estiver mais aqui para contar”, diz a autora, Maria, 78.
A escritora, que pediu para não ter o sobrenome publicado, é uma professora aposentada que resolveu colocar no papel sua trajetória. “Falo da aflição que é criar os filhos. O medo que aquela responsabilidade traz”, afirma.
Mas na obra ela também versa sobre o prazer que foi lecionar por quatro décadas. “Dou conselhos para os meus netos. Coisas que acho que valorizarão mais quando forem mais velhos. A história se repete.”
Maria preparou-se para a tarefa, que já consumiu oito meses. Leu uma dúzia de biografias (entre elas as de Evita Perón e Garrincha) e fez cursos de escrita no Sesc. Em um deles, conheceu o engenheiro químico Clayton Fernandes, 63, que também trabalha nas memórias escritas. Ele, entretanto, quer ouvir as críticas.
O engenheiro iniciou a obra há uma década, com registros sobre a turma com quem trabalhou por 26 anos no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Com tudo pronto, enviou os textos para os retratados, que gostaram e pediram mais.
Clayton passou, então, a escrever acerca da família. Escolheu a avó Elmira. “Tive uma convivência estranha com ela.” Os dois passavam as férias numa fazenda no sul de Minas. Eram três meses de pouquíssima troca de palavras. “Eu me lembro bem do dia em que assistimos juntos pela TV à chegada do homem à Lua. Ela não acreditava muito naquilo.”
Atualmente, ele se debruça sobre os anos que passou na Freguesia do Ó —ele chegou ao bairro da zona norte aos 11 anos de idade e só saiu de lá quando foi aprovado na USP. “É um exercício puxar a memória. Às vezes, vêm coisas das quais eu nem lembrava.” O manuscrito vai para os amigos do bairro.
Ele, que já escreveu contos e participou de um concurso literário da revista “Piauí”, agora concentra-se na não ficção. “Não sei exatamente por que eu faço isso. Talvez seja porque a gente é a coisa que a gente mais conhece.”
*Chico Felitti, na Folha de S.Paulo.
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