Verônica foi quem mais pegou livros emprestados este ano (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Pedro Archanjo gostava mesmo de estudar o povo baiano, enquanto Totonhim tentava assimilar a volta de seu irmão à vida dura do sertão. Gustavo se encantou com a voz de Célia, a moça que vendia pãezinhos de queijo no Largo da Palma, ao passo que Dindinho sofria com a morte precoce da irmã Estelinha. E, no meio de todos esses casos da literatura, há gente como a estudante de Letras Verônica Batista, 26 anos, que não resiste a uma boa história e quase mora na Biblioteca Central, nos Barris.

A verdade é que baianos gostam de ler baianos. Seja um clássico como Jorge Amado, criador de Pedro Archanjo, seja um contemporâneo como Aleilton Fonseca e seus Dindinho e Estelinha. Mas baianos também não resistem aos já tradicionais best-sellers como Harry Potter, A Cabana e A Menina que Roubava Livros. Para completar a estante, Os 13 Porquês e A Culpa é das Estrelas. Os dados são resultado de um levantamento inédito da Fundação Pedro Calmon (FPC), responsável pelo Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas da Bahia.

A pedido do CORREIO, a FPC destacou os 40 livros mais procurados nas sete bibliotecas do sistema nos últimos seis meses. O resultado chamou atenção: os seis primeiros lugares são de livros de escritores baianos. Jorge Amado, Antônio Torres, Helena Parente Cunha, Adonias Filho e Aleilton Fonseca deixaram para trás outros clássicos da literatura mundial.

Eles lideram um top 10 com títulos como A Cabana, de William P. Young – apesar de ter lido lançado originalmente em 2008, voltou aos holofotes graças ao lançamento do filme homônio este ano –; Os 13 Porquês, de Jay Asher – outro livro que chegou ao Brasil em 2009, mas foi impulsionado pela polêmica série 13 Reasons Why, da Netflix –; e Um Mais Um, de Jojo Moyes, a britânica que é a nova queridinha dos fãs de histórias românticas.

“Os escritores baianos estão tendo destaque sim, não só por (terem obras cobradas em) vestibular, mas pela produção editorial. A geração de 1980 para cá produziu muito. A gente tinha uma coleção dos ‘novos baianos’ na fundação e a procura era grande”, explica a diretora do sistema, Carmen Azevedo. A maioria das obras dos baianos está na lista dos livros cobrados para a seleção da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Outros também figuraram, por anos, na lista de livros do antigo vestibular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), antes da instituição aderir ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Autor do segundo livro mais procurado do ano (Essa Terra), Antônio Torres passou dois anos e meio para escrever a história. Mas, apesar de o texto ter sido condensado em cerca de 100 páginas, estava tão cansado como se tivesse escrito 500. Estava no Rio de Janeiro quando um primo jornalista contou a história de outro primo deles que saíra do interior da Bahia para São Paulo. Voltou para a Bahia, frustrado, e cometeu suicídio.

“Fui para Sátiro Dias (no Nordeste do estado) saber a história desse homem e ninguém me contava. Achei que tinha perdido a viagem até compreender que o sonho daquele lugar era partir. Aquele que partiu, voltou e se matou também matou aquele lugar. Eu tinha que esquecer o repórter que sempre fui para ser o romancista que já era. Por isso, tudo que há de real é a informação de um homem que foi para São Paulo e se matou. O resto, a ficção fez por ela mesma”, contou o escritor, que ocupa a cadeira nº 9 na Academia de Letras da Bahia. A obra, lançada em 1976, já foi publicada até no Vietnã.

Para o escritor Evanilton Gonçalves, a distribuição dos livros também está ligada ao ranking de livros mais lidos. “Temos autores nacionais, que são mais conhecidos e que têm uma distribuição maior dos livros. É o mesmo que acontece com os best sellers, que são editados por grandes editoras e têm um alcance maior. E hoje na internet existem muitos canais que recomendam os livros, que desperta aquilo de “tem que ter”, por isso acabam que eles estão em mais lugares também para a compra”, observa.

Empréstimos – Na Biblioteca Central, os livros dos baianos campeões já ficam até mesmo separados, para facilitar que os funcionários os encontrem. “Os clássicos são muito incentivados pelos pais e por professores, não só devido ao vestibular. Jorge Amado, por exemplo, é um autor que o tempo não limita. E os jovens têm procurado muito por serem livros que trazem uma Bahia diferente da que vivemos”, opina a subgerente do setor de empréstimo da unidade, Elzimar Cerqueira.

Hoje, são mais de 24 mil pessoas cadastradas nas bibliotecas estaduais. Este ano, foram cerca de 8,5 mil empréstimos – de um universo de mais de 400 mil exemplares. Mesmo assim, para Carmen Azevedo, não houve queda nos últimos anos, nem concorrência com outras plataformas. “Existe uma mudança que a gente tem que acompanhar. Tem gente que leva seu tablet e faz a leitura. A gente não pode limitar a leitura ao livro, mas falar em leitura de mundo, pelas artes, pela dança e pela linguagem”.

E, se depender da estudante de Letras Verônica Batista, o número de empréstimos deve continuar aumentando. Só este ano – e apenas na Biblioteca dos Barris – Verônica pegou 74 livros emprestados. Se a unidade tivesse um título de ‘campeã dos livros’, certamente seria dela.

“Mas eu pego livro em todo lugar. Aqui, na (biblioteca) Thalles de Azevedo, na (biblioteca) Juracy Magalhães, na da Ilha de Itaparica… Demoro três dias, no máximo, para ler, não importa o tamanho. Rodo a cidade toda atrás de livros, porque não compro livros novos”, conta a jovem, que mora no Engenho Velho de Brotas. Dos 45 livros mais lidos este ano, ela só não leu quatro. Diz que estão na lista. “Tendo uma boa história, eu vou levar”.

As irmãs Beatriz, 16, e Glória Cerqueira, 14, ainda estão praticamente engatinhando no universo das bibliotecas. Cada uma fez sua própria estreia na última semana: Beatriz escolheu Crepúsculo, de Stephenie Meyer, enquanto Glória preferiu Divergente, de Veronica Roth. “A gente estava passando por aqui, porque moramos no Barbalho, e decidimos vir. Eu já tinha visto o filme Divergente e, como gosto de ação, escolhi começar por ele”, conta Glória. Pela empolgação, parece que a presença dos livros na vida das novas leitoras deve aumentar.

Reforço escolar – Para o mestre em estudo de Linguagens Caio Brito, a escola é um dos grandes incentivadores da leitura e, por isso, os livros que eram cobrados em vestibulares aparecem como os mais lidos. “A escola é um dos grandes incentivadores da leitura, assim como os amigos, a família e a própria internet também são. Mas considerando que alguns desses livros são cobrados por vestibulares, podemos dizer que a escola exerce grande influência nessa lista”, opina o professor da Unijorge.

Ainda segundo Caio, os livros apresentam características semelhantes entre si, o que incentiva a identificação dos leitores com essas obras. “Existe a questão de identificação, sem sombra de dúvidas, do próprio Jorge Amado, que retratam o dia a dia pela cidade, e as pessoas conseguem identificar os lugares por meio das obras”, afirma.

No entanto, Caio lembra que a diversidade das obras é uma tendência que tem acontecido em todo Brasil. “No último relatório de retratos de literatura no Brasil, perguntaram ao sujeito qual o último livro que você leu, e nessa lista tem Augusto Cury, Paulo Coelho, Alan Kardec, chegando à youtuber Kéfera, o que mostra a influência da internet. Hoje temos muitos canais no Youtube que incentivam a leitura, com indicações e opiniões sobre livros”, completa.

Autor do quinto livro mais lido, o escritor Aleilton Fonseca afirma que todos os livros têm o seu valor. “A Cabana é uma leitura boa também, por exemplo. Existe os livros de momento e os que passam de geração para geração, mas a literatura sempre ensina alguma coisa”, explica.

Ele conta que já sabia do interesse de muitos jovens por seus livros, mas não sabia que estava entre os mais buscados. “É um livro que tem sido muito adotado nas escolas e está na lista da Uneb. Sou muito procurado, os alunos fazem trabalho. A gente quer que os jovens leiam mais e, quando a gente nota que há uma busca pelos livros de literatura, de conteúdo, é muito bom”.

Confira a lista completa dos livros:

1º – Tenda dos Milagres, de Jorge Amado;

2º – Essa Terra, de Antônio Torres;

3º – Além de Estar: Antologia Poética, de Helena Parente Cunha;

4º – O Largo da Palma, de Adonias Filho;

5º -O Desterro dos Mortos, de Aleilton Fonseca;

5º – A Vida e A Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado;

6º – A Cabana, de William P. Young;

7º – Macunaíma, de Mário de Andrade;

8º – Os 13 Porquês, de Jay Asher;

9º – Um Mais Um, de Jojo Moyes;

10º – Vidas Secas, de Graciliano Ramos;

11º – Harry Potter e a Câmara Secreta, de J.K.Rowling;

12º – A Última Tragédia, de Abdulai Sila;

13º – A Gloriosa Família, de Pepetela;

14º – Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago;

15º -A Menina que roubava livros, de Markus Zusak;

16º – Harry Potter e a Pedra Filosofal, de J.K. Rowling;

17º – Nunca desista de seus sonhos, de Augusto Cury;

18º – Crime e Castigo, de Fiodor Dostoiévski;

19º – A última carta de amor, de Jojo Moyes;

20º – Só o amor consegue, de Lucius (Espírito);

21º – Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado;

22º – Desaparecidas, de Tess Gerritsen;

23º – O Aliciador, de Donato Carrisi;

24ª – Fortaleza Digital, de Dan Brown;

25º – Em Chamas, de Suzanne Collins;

26º – Depois de Você, de Jojo Moyes;

27º – Quem é você, Alasca?, de John Green;

28º – A Coisa, de Stephen King;

29º – Lolita, de Vladimir Nabokov;

30º – 1889, de Laurentino Gomes;

31º – O caçador de pipas, de Khaled Hosseini;

32º – A Culpa é das Estrelas, de John Green;

33º – A Deusa Cega, de Anne Holt;

34º – A Guerra dos Tronos – Vol. 1, de George R. R. Martin;

35º – A Garota Italiana, de Lucinda Riley;

36º – O Ladrão de Raios, de Rick Riordan;

37º – A Casa de Hades, de Rick Riordan;

38º – O príncipe maldito, de Mary Del Priore;

39º – Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, de J. K. Rowling;

40º – A Estrela que Nunca Vai se Apagar, de Esther Earl.

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