Editora da Piu, especializada em literatura infantojuvenil, Paula Taitelbaum adora garimpar livros raros ou “perdidos” do gênero. Em 2016, pesquisando na Bibliothèque Nationale de France, de Paris, encontrou as histórias de Patachou, um garotinho que descobre o mundo “misturando fantasia e melancolia”, como ela define. Escritos em 1929 pelo poeta francês Tristan Derème (e ilustrados pelo seu conterrâneo André Hellé em 1930 e 1932), os contos sobre o personagem estavam reunidos em dois volumes obscuros (“Patachou petit garçon” e “Les histoires de Patachou”). Encantada, a editora começou a investigar mais sobre a obra, até que tropeçou em uma tese polêmica: segundo o pesquisador Denis Boissier, Patachou seria a inspiração por trás de “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry. A partir daí, Paula teve a certeza de que precisava publicá-la no Brasil, pela própria Piu. Com os títulos de “O pequeno Patachu” e “As histórias de Patachu” (o nome do personagem foi aportuguesado para facilitar a pronúncia) e bancados por financiamento coletivo, os dois volumes devem chegar em junho nas livrarias.

— O interesse em publicar a história veio pela qualidade do texto e das ilustrações e por essa curiosidade relacionada com “O Pequeno Príncipe” — diz Paula. — As coincidências entre as obras são mesmo impressionantes.

Em seu estudo, publicado em uma prestigiosa revista literária francesa, em 1997, Boissier aponta paralelos entre os dois livros, mostrando que várias das palavras-chaves do texto de Derème são as mais usadas por Saint-Exupéry em “O Pequeno Príncipe”. A semelhança do tema (o olhar generoso de duas crianças) e o uso constante dos mesmos símbolos (como a estrela, por exemplo), também impressionam — o pesquisador, porém, não fala em plágio, mas em inspiração.

Nesse sentido, o desconhecimento em torno de Patachou é mesmo curioso. Apesar de ter feito muito sucesso até os anos 1950, o personagem sumiu desde então, ganhando pouquíssimas edições pelo mundo. Se tudo que fez a fama do livro de Saint-Exupéry também aparece no personagem de Derème, então por que uma obra permanece popular através das décadas, enquanto a outra entrou para o esquecimento?

O próprio Boissier não tem uma resposta definitiva. Embora ache impossível explicar o sucesso de uma obra, o pesquisador lamenta que as pessoas não se interessem em procurar outros autores que aqueles consagrados “pela indústria”. E culpa o “império industrial” da editora Gallimard, que até 2015 tinha exclusividade dos direitos de “O Pequeno Príncipe” na França (desde então a obra está em domínio público). A popularização de um concorrente, como Patachu, não seria interessante para a editora.

— Nada pode atrapalhar a glória daquele que rende tanto dinheiro à Gallimard — diz Boissier, em entrevista ao GLOBO. — Nunca haverá capitalização sobre a obra de Darème. Ao contrário: só se empresta aos ricos.

Boissier acredita que nem mesmo sua teoria teve muita receptividade na França.

— Meu trabalho passou despercepido, a não ser por um especialista de Saint-Exupéry, Michel Autrand, que se achou na obrigação de divulgar a descoberta. Recentemente meu trabalho começou a ser muito modestamente assinalado na internet. E é só.

Para Paula, no entanto, a tese de Boissier é “perturbadora”.

— Ele faz uma análise inclusive de frases que são poeticamente (ou metaforicamente) muito parecidas e raciocínios que são exatamente iguais nos personagens Patachou e Pequeno Príncipe — analisa. — Ele cita as páginas, demonstra questões relacionadas com elementos como a rosa, o elefante, o carneiro, a caixa, as estrelas, etc. Seria muito delicado dizer que é plágio, nem acho que seja, mas a sensação que ficamos é a de que Saint-Exupéry leu as histórias de Patachou em algum momento da vida, gostou e ficou com elas guardadas, absorveu esse diálogo entre um homem mais velho e um menino, e de como esse menino poderia fazer com que o adulto visse o mundo a partir do olhar da infância. Acho que a maior contribuição é essa: o mundo infantil, inocente, visto pelos olhos de um adulto. Além disso, Tristan Derème foi um dos criadores da chamada “escola fantasista literária” que enfatizava a imaginação, o ritmo, a musicalidade, o humor e, ao mesmo tempo, a melancolia. Elementos que, não podemos negar, estão presentes em “O Pequeno Príncipe”.

A editora espera que, no Brasil, o destino de Patachu seja outro e que o personagem possa conquistar um amplo público, tanto infantil quanto adulto. Para isso, já ganhou inclusive uma ajuda da Embaixada Francesa, que concedeu a Piu um prêmio que financiou a tradução dos dois livros.

— É um livro infantojuvenil que não é especificamente escrito para crianças — destaca. — Existe uma espécie de filtro que mostra o mundo da criança pelos olhos de um adulto. Justamente por isso há um ar de encantamento, de leveza e de beleza no texto. Ainda tem o humor e a poesia, mesmo que em certos momentos essa poesia soe melancólica. E a forma como o texto flui em tom de conversa ou confidência.

*Bolívar Torres, em O Globo: Versão brasileira da obra contará com ilustrações originais da década de 1930 – André Hellé / Reprodução. 

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