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Pensar que existem um milhão de outras atividades mais legais que ler um livro não é algo que acontece com poucas pessoas. Para Tatiana Cersosimo, o grande leque de coisas para fazer nos dias de hoje é o principal competidor na corrida do desinteresse pela leitura. Antigamente, para a estudante de comunicação, não eram tantas as opções para ocupar o tempo e por isso o ato de ler era realizado por mais pessoas, com mais frequência.

No Brasil, não é só Tatiana que pensa assim. Muitas das pessoas dessas terras tropicais reproduzem, reiteram e reafirmam aquela velha história de que o brasileiro não tem gosto pela leitura. Por ser do tipo de coisa que só se fala e não se comprova, é que o iG Gente resolveu olhar com um pouco mais de profundidade para essa questão e refletir: será que o brasileiro não se interessa mesmo por leitura?

De acordo com a 4ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, desenvolvida em março de 2016 pelo Instituto Pró-Livro, leitor é aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Entrando para o grupo que compõe o time dos que estão sempre com um livro ao alcance da mão, Gabriela Colicigno concluiu 73 leituras em 2016 e, agora em 2017 já está na sua 24ª. “Eu sempre gostei de ler. Aprendi a ler com quase 4 anos. Lia muito gibi e quando eu fiz 8 anos ganhei os primeiros livros do Harry Potter”, conta. “Descobri que tinha livros maiores e comecei a comprar tudo que eu achava”, completa.

O mito do brasileiro não leitor

Ainda segundo a 4ª e mais recente edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2016, a estimativa de público leitor no Brasil levantada no ano de 2015 bateu os 104,7 milhões de cidadãos. Em porcentagem, isso representa 56% dos 188 milhões de respondentes da pesquisa, deixando sobrar outros 44% que se autodenominam não leitores. Como costuma-se ouvir por aí, dados não mentem e dessa vez não é diferente.

De acordo com esse levantamento de apenas dois anos atrás, essa história de que o brasileiro não gosta de ler é um mito, já que a principal motivação para leitura registrada pelo estudo foi o gosto pessoal. No entanto, ainda assim existe uma boa parcela da população que não sente o mínimo de entusiasmo quando o assunto é mergulhar nas páginas de um bom (ou ruim, nunca se sabe, né?) conteúdo.

Nesse sentido e em um bate-papo com a professora de língua portuguesa e linguista Roberta Roque Baradel, não foi difícil perceber que quando falamos na recusa às capas duras e páginas acumuladas, as justificativas vão bem além dos limites de mero desinteresse. De acordo com a professora, a afirmação de que o brasileiro não gosta de ler é uma parte que não pode falar pelo todo. “Eu acho que não é completamente verdadeiro. A questão é que ler é um hábito que a gente não cultiva desde cedo”, diz a docente.

Segundo Roberta, muitas vezes a indiferença com a leitura pode ser resultado da obrigatoriedade de ler livros específicos numa certa fase da vida escolar. “A escola às vezes pede coisas fora do contexto para ler. Isso é um pouco enfadonho, dá preguiça nos alunos porque é aparentemente chato”, explica. “A escola não ativa isso e, nem sempre, a família também. Além disso, o mercado editorial não é tão atrativo assim”, complementa.

Entrando em acordo com o raciocínio da professora Roberta, Tatiana Cersosimo, que se considera uma pessoa sem muita simpatia com livros, pontuou que a fase escolar teve um peso considerável para que esse afastamento com a prática de leitura acontecesse. “Tive problemas com leitura quando era mais nova na escola. Eu não lia, não gostava e sempre ia mal nas provas por problema de interpretação de perguntas”, conta a estudante.

De acordo com Tatiana, o problema não são os livros em si, e sim a falta de liberdade para poder escolher leituras de interesse pessoal além das que os colégios colocam como obrigatórias. “Eles sempre passam livros para a gente ler, mas acho que eles podiam deixar mais aberta nossa escolha de leitura”, completa.

Evitando perder a oportunidade de tornar o ato de ler algo natural e desmistificado, a professora Roberta contou como é que faz em sala de aula para incentivar a prática para os próprios alunos. “Nas aulas, quando são de literatura, eu fujo da ideia do clássico. Procuro não adotar o livro em si, mas uma versão adaptada para que o interesse do aluno venha”, conta.

“No primeiro ano do ensino médio a gente tem que trabalhar lusíadas. Eu não vou fazer meu aluno ler o original e todas as páginas e versos. Já aconteceu de pais de alunos que não leem ou que não gostam de ler me dizerem ‘nossa, não sei o que aconteceu com esse livro, professora, no final de semana ele nem quis sair direito e terminou todinho’”, conta a linguista. “Ninguém vai querer ler o clássico de “Iracema” com 15 anos, vivendo uma situação completamente diferente. Por isso eu procuro trabalhar com adaptações que podem interessar o aluno e que permitem que a partir delas possam ser feitos jornais, debates, análises…”, complementa.

Agravantes do desinteresse

Olhando o raciocínio da professora e da estudante como dois limões para fazer uma limonada, a falta de uma visão simpática para a leitura, que deveria ter sido incentivada desde o início da vida intelectual, é o que afasta o brasileiro dos livros, mas não é por aí que os motivos para o desinteresse terminam.

De acordo com os brasileiros entrevistados na última edição da pesquisa do Instituto Pró-Livro, existem algumas condições desfavoráveis que não contribuem para a formação do interesse pela prática da leitura. Entre elas, estão a falta de tempo, a carência de bibliotecas em mais lugares do Brasil e um fator crucial: os limites do poder aquisitivo de cada cidadão e cidadã.

“Acho a questão do dinheiro relevante porque às vezes um livro custa muito mais do que você tem naquela semana. O dinheiro é um fator importante porque é uma relação direta”, explica Roberta. “Um exemplo que é bem comum de algo que costuma acontecer muito em escola pública é você adotar um livro e ter que pensar na acessibilidade dele. Se ele for muito caro, alguns alunos podem não ter acesso essa leitura”, diz. “Se as pessoas têm um poder aquisitivo maior, pode ser que elas entendam melhor o poder da leitura e adquiram o hábito de ir sempre à uma livraria escolher um livro para ler”, conclui a docente.

Para a amante de leitura e youtuber Gabriela Colicigno, o gosto por livros e por expandir ainda mais o horizonte não só de conhecimento, mas também de entretenimento, é também uma questão de influência. “As pessoas influenciam você a ler. Algumas pessoas que não tem a influência desde crianças têm uma certa trava. Alguma coisa vai agradar”, diz. Em relação a desmistificação da ideia de “chatice” que sempre acompanha a prática de ler na cabeça de muitas pessoas, Gabriela concorda com Tatiana e Roberta no sentido de que isso se resolveria na fase escolar. “Nas escolas, por sermos obrigados a ler livros específicos, ficamos com esse ranço da leitura. Precisamos ler autores importantes, mas isso precisa ser abordado de uma forma diferente. Quando vira uma obrigação, as pessoas pegam birra mesmo”, opina.

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