Estou saindo para a casa da Kátia. Não posso ir visitar a Kátia sem levar um livro para emprestar. Das últimas vezes, ela me trouxe três. O Martelo das Feiticeiras, Regrets Sur Ma Vieille Robe de Chambre e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão. Esse último foi das coisas mais gostosas que li. Não posso chegar lá sem um livro. Olho para a minha prateleira e escolho A Montanha da Água Lilás, do Pepetela. Preciso de mais alguma coisa. Poesia. Ela não é muito de poesia, mas vou levar mesmo assim. Escolhi a Wislawa Szymborska, com aquele cigarrão na capa. Ela vai gostar.

Por sinal, lembrei que preciso ler aquele livro que a Tia Rê me emprestou. Não lembro o nome, era um vermelho, sobre uma indiana que tentava se matar. Ficou lá em Lisboa. Preciso ler, deve ser bom. E preciso saber o que ela achou do livro da Agatha Christie que emprestei pra ela. Tia Rê lê rápido que nem o meu pai, morro de inveja. Por falar no meu pai, nessa onda de Pepetela que eu estava, comprei pra ele o livro do agente Jaime Bunda e esqueci de perguntar o que ele achou. Da última vez que indiquei uma leitura pra ele, não deu certo. Era No Mar, aquele livro do holandês que perdia a filha dentro do veleiro. Eu deveria ter imaginado, meu pai detesta coisas angustiantes com filhas. Sorte a minha.

Foi o moço da livraria ali na Avenida Moema que me indicou o No Mar. O mesmo que me indicou aquele livro do José Luís Peixoto sobre a morte do pai. Uma das coisas mais bonitas que já li. Outro dia descobri que o escritor é quase tão bonito quanto o livro. Quando morreu o pai de um amigo mandei esse livro pra ele. Não sei se ajudou, mas foi de coração.

Pro meu namorado levei o livro de receitas de Game of Thrones. Um dia abri o livro e tentei fazer uma cebola com conhaque no forno. Não ficou bonita que nem o José Luís Peixoto nem gostosa que nem A Vida Invisível de Eurídice Gusmão. Ainda bem que o Filipe cozinha bem e gosta que eu seja melhor com livros do que com cebolas. No Natal ele me deu a primeira edição de Human Sexual Response, livro pioneiro no estudo da sexualidade humana, publicado nos anos 60, que virou uma série pela qual eu fiquei vidrada. Primeira edição, ele me deu a primeira edição. Mais uma razão para casar com ele.

Quando minha irmã casou, dei pra ela e pro Luís um livro de contos do Oscar Wilde. Havia um trecho no qual ele dizia que os noivos estavam mais do que bonitos, estavam felizes. Achei que fazia sentido. Não sei se eles leram, provavelmente não. Mas quando eles foram para a Argentina, me trouxeram mais dois livros da Mafalda. Eu fico alegre que nem criança. Acho que nunca terei Mafaldas suficientes. Quando meu irmão foi, ele também trouxe um.

Pro meu irmão, trouxe de Lisboa um livro do Ondjaki, que não é português, mas que eu descobri em Lisboa por causa desse hábito maravilhoso que eles têm de dar bola para a literatura lusófona em geral. Para a minha sobrinha trouxe um livrinho que explica os principais escritores portugueses para as crianças. Também trouxe uma mochila de unicórnio para ela não me achar muito chata.

Minha mãe mandou um livro sobre animais e plantas do Brasil para a minha enteada. Lemos juntas e eu fiquei um pouco constrangida por só conhecer boa parte das plantas pelos rótulos da Natura. Minha enteada acha que o livro que eu escrevi não é muito bom porque não tem desenhos. Já minha mãe gosta do meu livro. Ter mãe é bom por muitas razões, essa é uma delas. E agora ela quer que eu leia Lobo Antunes. Eu tenho medo de Lobo Antunes, mas vou ler.

Percebo que uma das melhores formas de demonstrar afeto é com livros. “Leia isso, você vai gostar” vale tanto quanto um abraço. Dizem que amor com a amor se paga. Mas acho que com livros também. Tem muito livro que vale mais que um “eu te amo”.

*Ruth Manus, no Estadão.

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